Poder Judiciário - Justiça do Trabalho -TRT 2ª Região
21ª Vara do Trabalho de São Paulo - Capital
Autos nº 02049-2010-021-02-00-7
Autor: Ministério Público do Trabalho
Réu: Rápido 900 de Transportes Rodoviários LTDA
Vistos.
 Trata-se de pedido de antecipação dos efeitos da  tutela,  em que pretende o Autor a determinação para que o Réu se  abstenha (obrigação de não fazer) de “proceder quaisquer  movimentações e  transporte de carga contendo amianto  in natura  ou produtos que o contenham no Estado de São Paulo”, sob pena de multa diária para cada caso de descumprimento (art. 11 da Lei 7.347/85).
 As considerações seguintes são feitas em sede de cognição sumária, na análise da medida liminar, e não prejudicarão o futuro julgamento final de questões preliminares e meritórias.
 A pretensão visa à proteção de direitos  indisponíveis  fundamentais  (saúde e ambiente ecologicamente equilibrado), de uma coletividade de trabalhadores, empregados do Réu,  e,  em última análise,  da presente e da  futura geração que habita ou habitará o estado de São Paulo (ou até mesmo extrapolando os limites territoriais do estado).
 Trata-se,   assim,   de   direitos   coletivos   (caracterizados   pela  indivisibilidade  do objeto e pela existência de  relação  jurídica prévia,  que  torna possível a  identificação dos respectivos  titulares)  e de direitos difusos  (caracterizados pela  indivisibilidade do objeto e pela ausência de  relação  jurídica  identificadora dos  respectivos  titulares,   indetermináveis, pois).
 Portanto,  ainda em sede de cognição sumária,  afigura-se clara a competência desta Justiça Especializada (Súmula 736 do Excelso STF) e a legitimidade ativa ad causam do eminente órgão do Ministério Público do Trabalho.
 O  interesse   processual   também  está   presente,   pois   está   demonstrado   pela documentação acostada, que goza de fé pública, que o Réu vem descumprindo a legislação
vigente,  bem  como  interdição de movimentação  de  cargas   realizada  pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no legítimo exercício do poder de polícia.
 A questão envolve o debate acerca da Lei estadual  12.684/2007,  proibitiva do uso do amianto branco (crisotila) no estado de São Paulo.
 A   constitucionalidade   da   referida   lei   está   sendo   questionada   no   Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 3.937.
 No julgamento do referendo das respectivas medidas cautelares suspensivas da eficácia da lei paulista, concedidas pelo eminente Relator Ministro Marco Aurélio, o Plenário do   Excelso   STF   não   as   referendou,   por  maioria,   rejeitando   a   concessão   da   liminar suspensiva da lei. Desse modo, até o momento, há presunção de sua constitucionalidade.
 Compartilho   do   entendimento   esposado   pelo Ministro  Eros  Grau   no   aludido julgamento, no sentido de que a Lei federal 9.055/95, que seria a norma geral a respeito do assunto,   ao   autorizar   a   livre   comercialização   da   crisotila   no   território   nacional,   é inconstitucional por  contrariedade aos arts. 6º e 196 da Constituição da República.
 É   cientificamente   comprovada   a   nocividade   ambiental   e   à   saúde   dessa variedade   de   amianto,   tanto   que   reconhecida   em  norma   de   Direito   Internacional   do 
Trabalho,  qual   seja,  a Convenção  nº  162  da OIT  (art.  2º,   “a”),  aprovada pelo Decreto Legislativo nº 51 de 25/08/1989, ratificada pelo Brasil em 18 de maio de 1990, promulgada pelo Decreto 126 de 22/05/1991. 
 Tal   norma   internacional   prevê   a   revisão   periódica   da   legislação   nacional referente ao amianto,  à  luz do desenvolvimento  técnico e  científico  (art.  3º,  2),  e uma interpretação sistemática da convenção leva à conclusão de que a sua finalidade é alcançar progressivamente a substituição do amianto por outros materiais,  produtos ou tecnologias alternativas e a proibição total do uso da matéria prima (art. 10).
 A Convenção 162 da OIT, por tratar da proteção à saúde e ao meio ambiente, é tratado internacional que versa sobre direitos humanos, por conseguinte, tem, no mínimo, a hierarquia supralegal, razão pela qual não pode a Lei 9.055/95 a ela se sobrepor.
 Atualmente, é técnica e cientificamente possível a substituição da utilização de crisotila  por  materiais   sem  nocividade  à  saúde  ou menos   nocivos   à  saúde   e  ao meio 
ambiente.  Embora  isso  represente um  impacto econômico pela  transformação da cadeia produtiva,   na   ponderação   de   direitos   fundamentais,   observados   os   parâmetros   da proporcionalidade, deve prevalecer a proteção à saúde e ao ambiente, sem que se fulmine o direito à livre iniciativa, justamente pela possibilidade de substituição dos materiais. 
 É possível constitucionalmente,  pois, a proibição do uso, da comercialização e do transporte do amianto, em qualquer de suas variedades, para a proteção à saúde e ao meio ambiente, sem que se atinja o núcleo essencial do princípio constitucional em colisão, que é o da livre iniciativa.
 Em suma, a Lei 9.095/95, ao permitir a livre comercialização de crisotila, conflita com a Constituição  (arts.   6º  e 196  e  art.   225  c.c.   art.  200,   inciso VIII)   e  não mais   é 
consentânea com a Convenção 162 da OIT,  assumindo o estado-membro da  federação competência legislativa plena acerca da matéria (art.  24, §3º,  da CR), de modo que a Lei 
paulista 12.684/2007 é compatível com os desígnios constitucionais.
 No   que   tange   ao   alcance   da   lei   estadual   proibitiva,   adoto   o   entendimento esposado   no   acórdão   da   9ª   Turma   do   E.   TRT   da   2ª   Região,   proferido   no   MS 01417200908702008, que justamente versava sobre medidas administrativas adotadas em face do Réu:
 “[...]
 Relativamente ao alcance dado à Lei  Estadual 12684/07,  não merece acolhida a  tese recursal de que o comando inserido artigo 1º, da legislação em voga, limita-se à proibição do uso do amianto,  não vedando expressamente seu  transporte,  sobretudo em se  tratando de locomoção de produto originário de outro Estado.  É que,  nos moldes bem enfatizados pela Instância  Originária,   não   se   concebe   a   interpretação   isolada   das   disposições   contidas   na referida Lei, mas sim deve ser considerado o ordenamento jurídico como um todo, impondo-se a interpretação sistemática da legislação estadual acima enfocada com a disciplina extraída dos artigos 1º, incisos III e IV, 194 e 196, da Carta Magna, e 157, da CLT, deduzindo-se da atenta leitura da Lei  12684/07 que o  intuito do  legislador   foi  abolir  definitivamente a presença do amianto no âmbito do Estado de São Paulo,  seja pelo uso ou por  qualquer  outro  tipo de manuseio, vedando a comercialização, a produção, e o transporte de todo e qualquer produto, material   ou   artefato   que   contenha   quaisquer   tipos   de   amianto   ou   asbesto   no   território Bandeirante, independentemente da origem ou destinação. De ser lembrado que, a exposição ao amianto ou asbesto – produto altamente tóxico e cancerígeno - relaciona-se ao aumento dos riscos de aquisição de graves moléstias – asbestose,  câncer  de pulmão e mesotelioma  -,  revelando-se elevado o índice de contaminação e o prejuízo à saúde do ser humano, de modo que a própria Lei Estadual 12684/07 estabeleceu a obrigatória notificação do SUS, pela rede pública e privada de assistência de saúde, relativamente a todos os casos de doenças e óbitos resultantes da exposição ao amianto  (artigo 6º,  parágrafo 1º),  o que  também é ponto a ser observado. 
 Nesse contexto, dúvidas não restam de que o simples transporte do material em epígrafe reflete grave e iminente risco não apenas aos trabalhadores envolvidos, mas à população em geral, sendo certo que, na hipótese vertente, os documentos acostados às fls. 157/159 induzem à conclusão de que a impetrante-recorrente sequer procedia ao correto acondicionamento do amianto,  promovia a condução do aludido material no mesmo veículo em que  transportados alimentos   da  rede Bauducco,   não  ofertou dados   indicativos  da  limpeza  e  da higienização necessária para o acondicionamento dos alimentos, remanescendo indiscutível a possibilidade de   contaminação,   o   que   faz   cair   por   terra   as   tratativas   recursais   de   que   o   transporte concretizado pela ora impetrante é comprovadamente seguro. 
 Oportuno destacar, ainda, a irrelevância das datas apostas no relatório fotográfico, bem assim na nota  fiscal  de  fl.  158,  ou ainda se a notificação de  fls.  160/162,   foi   lavrada em 09/12/2003,  na medida em que o acervo dos autos não conduz à  integral  observância pela impetrante das medidas destinadas à preservação da segurança e saúde do  trabalhador ao tempo da  interdição  (18/06/2009).  Ao  reverso,  a  recorrente sequer  demonstrou que possui cadastro e licença especial expedida pelo DSV para o transporte de produto perigoso no Estado de São Paulo (fls. 135/137), além do que, os documentos de fls. 119/121 apontam a omissão no que concerne ao  fornecimento de proteção adequada aos   trabalhadores  envolvidos  no transporte de  carga embalada em pacotes  de  fácil  destruição,   facilitando o  vazamento do produto. E outra, ainda como bem observou o Juízo de Origem, os documentos de fls. 151/152 e 184/188 apontam que a  impetrante é  reincidente na prática de  transporte  inadequado do produto em questão, tanto que em 18/09/2009 foi novamente flagrada e autuada transportando 26 (vinte e seis) toneladas de amianto in natura, mais uma vez comprometendo não apenas a saúde   dos   trabalhadores   envolvidos   no   manuseio,   no   processo   de   carga,   descarga   e transporte,  como  também de  toda a população do Estado de São Paulo, o que vai  em  total desencontro ao objetivo do legislador ao editar a já exaustivamente mencionada Lei Estadual 12684/07. 
 [...]
 Isto posto,  ACORDAM  os Magistrados da 9ª  Turma do Egrégio Tribunal  Regional  do Trabalho   da  Segunda  Região   em:   conhecer   do   recurso   ordinário   interposto   e,   no  mérito, NEGAR PROVIMENTO ao apelo, mantendo a r. decisão de primeiro grau em todos os seus termos.”
 Destarte,   a   proibição   da   lei   estadual   se   estende   também  ao   transporte   do amianto, que é considerado de alto risco, pela própria Lei 9.055/95: “Art. 10. O transporte do asbesto/amianto e das fibras naturais e artificiais referidas no art. 2º desta Lei é considerado de alto risco e, no caso de acidente, a área deverá ser isolada, com todo o material sendo 
reembalado   dentro   de   normas   de   segurança,   sob   a   responsabilidade   da   empresa transportadora.”
 O Réu não vem cumprindo a  legislação estadual   restritiva do uso de crisotila, nem normas ambientais trabalhistas e de segurança no transporte de cargas, além de ter descumprido   a   interdição   de   movimentação   de   cargas   promovida   pelo   Ministério   do Trabalho   e   Emprego,   inclusive   tendo   ocorrido   posteriormente   o   acidente   noticiado   na Rodovia Anhanguera.
 Estão presentes,  pois,  os  requisitos para concessão da  liminar   requerida:  há farta   prova   inequívoca   da   verossimilhança   das   alegações   e   a   conduta   do   Réu   está provocando graves  riscos ao meio ambiente,  à saúde dos  trabalhadores e da população 
paulista em geral. 
 O  valor   das  astreintes  sugerido   pelo Ministério Público  é  compatível   com  a necessidade de respeito à legislação, ao exercício do poder de polícia pelo Executivo e à efetividade das decisões  judiciais,   tendo em vista ainda que as medidas adotadas até o momento não foram suficientes a inibir a conduta ilícita.
 Em   conclusão,  defiro   a   antecipação   dos   efeitos   da   tutela   de   mérito requerida,   para   determinar   que   o   Réu   se   abstenha   de   proceder   a   quaisquer movimentações e transporte de carga contendo amianto in natura ou produtos que o contenham no estado de São Paulo,  sob pena de multa de R$ 100.000,00  (cem mil  reais),   atualizável   monetariamente   e   reversível   ao   FAT   (Fundo   de   Amparo   ao Trabalhador),  para  cada   caso  em que  se  comprove o descumprimento da ordem judicial, a partir da ciência desta decisão.
        Designe-se audiência una.
 Cite-se e intime-se o Réu. 
 Intime-se pessoalmente o Autor.
 São Paulo, 18 de outubro de 2010.
                    MURILLO CÉSAR BUCK MUNIZ
                   Juiz do Trabalho Substituto