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2ª TURMA
CNJ: 0001701-47.2014.5.09.0513
TRT: 13249-2014-513-09-00-7 (RO) | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Inconformadas com a r. sentença de fls. 886, ambas as partes apresentam recurso ordinário.
A parte autora pretende a reforma quanto aos seguintes itens: a) doença profissional - valor da indenização por danos morais; e b) honorários advocatícios.
Contrarrazões apresentadas pela parte ré às fls. 981.
A parte ré pretende a reforma quanto aos seguintes itens: a) grupo econômico - prescrição - responsabilidade civil; e b) danos morais.
Custas recolhidas à fl. 972. Depósito recursal efetuado à fl. 975.
Contrarrazões apresentadas pela parte autora às fls. 993.
Em face do que dispõe o art. 20, da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, os autos não foram enviados ao Ministério Público do Trabalho.
Os recursos e as contrarrazões foram firmados por procuradores com poderes devidamente outorgados pelas partes (autor, fl. 39, ré, fl. 232).
O preparo foi regular (fls. 972-975).
As partes foram intimadas da decisão resolutiva de embargos declaratórios em 15 de julho de 2016 e ambas interpuseram os recursos em 25 de julho de 2016,, tempestivamente, portanto. Os tópicos da sentença atacados em ambos os recursos impuseram sucumbência, de forma que está presente o interesse em recorrer.
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, ADMITO os recursos ordinários.
Consta, na petição inicial, que o de cujus, esposo da autora, foi acometido de asbestose e faleceu em 4 de setembro de 2013. Ele trabalhou para a ré Infibra do Paraná Cimento-Amianto LTDA de 23 de julho de 1986 e 14 de dezembro de 1997 e entre 24 de agosto de 1988 e 12 de novembro de 2003, na função de molasseiro. Suas atividades consistiam, basicamente, em abrir os sacos de amianto e depositar seu conteúdo no equipamento denominado molassa, também conhecido como "holandesa", onde o mineral era triturado e misturado ao cimento para fabricação do fibrocimento, que serve de matéria-prima para a fabricação de produtos finais pela ré. Consta, ainda, que, no início de 2013, dez anos após a rescisão de seu contrato de trabalho e vinte e sete anos após o início do contato com o amianto no ambiente de trabalho, o ex-empregado passou a sofrer de dispneia (falta de ar) e dificuldade para respirar. Foi, então, diagnosticado com asbestose, conforme trecho de laudo médico transcrito à fl. 14, em estágio avançado, conforme exames de imagem realizados pouco depois. O trabalhador veio a falecer em 4 de setembro de 2013.
Transcrevo a sentença, no que se refere ao reconhecimento de doença profissional:
II.5. DOENÇA - NEXO CAUSAL
A inicial alega a função de mossaleiro exercida pelo trabalhador, causando-lhe asbestose, que o levou a óbito. Junta atestado de médico que avaliou o "de cujus" em 2013 (fls. 74), diagnosticando asbestose em fevereiro de 2013, com falecimento em setembro seguinte.
A defesa nega o nexo causal com as atividades laborais, bem como o exercício da função de mossaleiro. Reconhece a função de serviços gerais sem atividades que gerassem contato com o amianto. Alega que o uso do amianto na ré observava controles de segurança, não gerando risco à saúde dos trabalhadores.
A ré impugna o laudo de 2013 (dez anos depois da rescisão contratual do "de cujus"), que diagnosticou asbestose sem ter presenciado o labor do trabalhador avaliado.
Invoca necessidade de exames mais completos, para não serem confundidos os sintomas com fibrose pulmonar idiopática. Argui que a asbestose é processem crônico e lento, com a patologia diagnosticada no "de cujus" evoluindo rapidamente em 2013, de forma aguda.
Com a defesa, juntados documentos indicando a regulamentação do uso do amianto e a possibilidade de trabalho seguro com o material, ainda que reconhecendo os riscos à saúde do trabalhador.
Juntado ainda laudo do Hospital das Clínicas de São Paulo (fls. 471-473), avaliando a tomografia do falecido, concluindo pelo diagnóstico de pneumonia idiopática e enfisema parasseptal. Em outras duas oportunidades a ré voltou a juntar o mesmo laudo.
A defesa também trouxe laudo pericial nas instalações da ré, denotando condições de trabalho sem exposição à poeira dispersa de amianto, nem identificando insalubridade (fls. 474-502).
Em sua manifestação sobre a defesa e documentos, os reclamantes impugnaram as alegações da ré e invocaram nexo técnico epidemiológico, pela exposição do "de cujus" a poeiras de asbesto.
Pelas informações do INSS analisados pelo perito, o trabalhador, ao longo de todos os períodos dos dois contratos com a Infibra do Paraná, recebeu auxílio doença por acidente do trabalho (código 91) apenas por dois dias em novembro de 1992 (1º contrato), depois só recebendo auxilio doença previdenciário (não acidentário, código 31) de dezembro de 2004 a fevereiro de 2005 (2º contrato de trabalho), tendo como causa dores nos joelhos, com gota. Houve posterior aposentadoria por tempo de contribuição (e por idade).
A parte autora apresentou laudo de perito assistente analisando as condições de trabalho do "de cujus" segundo os relatos da esposa e demais pessoas levadas pelos autores à presença do perito (sem acompanhamento pela parte reclamada). Todo o laudo partiu do pressuposto da exposição significativa à poeira de amianto durante todo o contrato do "de cujus", conforme relatos passados ao perito assistente dos autores.
Nos termos do inciso 19 do anexo 12 da NR 15 do MTE, caberia à ex-empregadora realizar exames periódicos nos trabalhadores, por 30 anos após o término do contrato de trabalho.
No laudo o perito ponderou que claramente identificados sintomas compatíveis com pneumoconiose, ainda que os autores invoquem asbestose e a ré alega fibrose idiopática e enfisema parasseptal (sem nexo com o amianto/asbesto). Para solução da controvérsia, o perito recorreu a especialista imparcial de sua confiança que ressaltou que, nos exames, não foram identificadas lesões pleurais, apenas áreas corticais de fibrose, bronquiectasia de tração, faveolamento e redução volumétrica pulmonar, ressaltando enfaticamente que "não há sinal patognomônico de asbestose (alteração pleural)" (destaques do original - fl. 748 dos autos).
Pelas avaliações, o perito conclui que a fibrose identificada é compatível com a asbestose e que o tempo de exposição pelo trabalho seria compatível com o desenvolvimento da doença. Ressalva que não houve condições de aferir a efetiva exposição ou não do trabalhador à poeira do amianto, havendo a possibilidade de serem outros processos de fibrose pulmonar, "em especial a fibrose pulmonar idiopática, doença que acontece de forma "espontânea e não tem relação com o trabalho" (2º parágrafo de fl. 750).
O laudo concluiu:
"Diante da analise dos relatos da parte autora associados ao exame físico e documentos médicos disponíveis podemos afirmar que as evidências predominantes foram:
1. A parte requerente foi admitida na empresa ré no dia 23/07/1986 exercendo labores até o dia 14/12/1997 segundo consta nos documentos colacionados ao processo.
2. O de cujus apresentou fibrose pulmonar;
3. Apesar de nenhum sinal clínico ou radiológico, incluindo imagens de TCAR, ser específico de asbestose, a presença de alterações radiológicas características, associadas à história ocupacional compatível, sugere fortemente o diagnóstico de asbestose;
4. Em alguns casos as alterações radiológicas podem ser indistinguíveis das alterações da fibrose pulmonar idiopática (FPI).
5. Neste sentido, podemos concluir que caso seja comprovado que o de cujus esteve cronicamente exposto à poeira de asbesto, conclui-se que predominam fortemente os indícios de que se tratava de asbestose, doença ocupacional;
6. Apesar dos indícios apontarem para a existência de doença ocupacional, não é possível afastar, extreme dúvidas, que tratava-se na verdade de fibrose idiopática, sem relação com o trabalho;
7. Tal diferenciação somente seria feita através de biópsia pulmonar ou lavado brônquico;
8. Sugere-se a realização de perícia de insalubridade com base documental a fim de se avaliar as condições de trabalho à época em que o de cujus esteve vinculado à empresa.
9. Não há plausibilidade para se descrever que o óbito apresentado pelo de cujus foi diretamente causado pela doença pulmonar, mas o atestado de óbito deixa claro que tal moléstia teve influência na evolução desfavorável do mesmo que faleceu por sepse (infecção generalizada) de foco pulmonar".
Diante destas conclusões e dos demais elementos nos autos, pondero que se mostravam essenciais exames complementares que não foram possíveis nos autos em face do falecimento do trabalhador e do momento em que feita a perícia. Na impossibilidade de todos os exames necessários, este juízo deve decidir pelo conjunto probatório, ponderando o nexo técnico epidemiológico das atividades do "de cujus" que favorecem a tese da inicial, ainda que não desprezando que o laudo permite concluir favoravelmente à tese da defesa, se não comprovada a efetiva exposição ao agente insalubre.
Infelizmente ficou patente nos autos que o local de trabalho do reclamante foi desativado, tornando inviável a perícia sugerida pelo perito médico.
O laudo do perito assistente dos autores confirma a tese da inicial, mas deve ser ponderado que o perito, conforme já mencionado, baseou-se fundamentalmente nas declarações da parte reclamante.
O laudo de insalubridade de fls. 474-502 confirma as condições de salubridade arguidas pela ré, mas deve ser ponderado que foi aferição na fábrica da ré, em Leme, quando o autor trabalhou na fábrica da outra empresa, em Londrina.
Não entendo razoável o argumento dos autores de que as aferições quantitativas seriam inválidas por ser entidade financiada pelas indústrias. Os laudos respectivos denotam aferição inclusive de condições inadequadas de alguns itens. Não cabe suspeita de parcialidade sem fundamentação concreta, em especial quando não há outros laudos e os de insalubridade concluem pela não identificação de poeira de amianto que justifique o reconhecimento de condição insalubre.
As aferições de fls. 627 e seguintes se referem a visitas não programadas na fábrica em que trabalhou o "de cujus", sendo que a aferição de 1999 relatou que a molassa e a holandesa da máquina I era equipadas com sistema totalmente enclausurado para abertura dos sacos de amianto, com limpeza por aspiração. Mas também ressalvou que não fora possível realizar avaliação na molassa e holandesa da máquina II. Relatado que a empresa avaliada não possuía vestiário duplo, mas a empresa fornecia EPI necessários aos funcionários.
Na visita de 2002 houve identificações semelhantes, cabendo ressalvar que avaliada a molassa II, em que identificado que o amianto, depois de moído, era "descarregado no chão, sendo pesado em sacos plásticos, que são levados até a holandeza, onde são inseridos na mistura" (1º parágrafo de fl. 632). No mesmo relatório, identificados resíduos no local de acabamento dos produtos, bem como nos equipamentos (vide itens 3 e 4 de mesma fl. 632). No mesmo relatório já identificado vestiário duplo antes inexistente e aferidas amostras do ar com concentração inferior aos limites legais para amianto.
Do depoimento da primeira testemunha, temos:
"que trabalhou na reclamada por 17 anos, desligando-se quando esta encerrou atividades, quando o "de Cujus" ainda trabalhava na ré; que trabalhava na área de produção, inclusive na carga e descarga de matéria-prima e na "holandesa", onde havia a mistura dos materiais, cimento, amianto e água; que utilizava protetor de ouvido e luvas, assim como uma máscara, relatando que esta era "fraquinha", parecendo um papel, se deteriorando inclusive pelo suor; que o "de Cujus" usava os mesmos EPIs; que esta máscara era descartável; que era substituída quando ficava estragada, inclusive chegando a trocar a máscara mais de 1 vez por dia; que houve vezes em que havia falta de máscaras, e ficavam com uma mesma máscara durante o dia inteiro, só a trocando no dia seguinte; que salvo engano iniciou em 1987 ou 1988, inicialmente sem fornecimento da máscara, que passou a ser fornecida, salvo engano, cerca de 5 a 6 anos depois; que não utilizavam óculos de proteção; que inicialmente também não havia uniforme e na mesma época aproximada do fornecimento de máscaras passou a haver o uniforme, sendo 1 camisa de manga curta e 1 calça comprida, com a própria ré lavando esse uniforme, sendo que trabalhavam a semana inteira com o mesmo uniforme sem que fosse lavado; que o ambiente tinha muito pó, em razão de amianto e cimento; que o depoente não teve qualquer problema de saúde, nem mesmo de pulmão, a partir do início na ré; que indagado sobre outros colegas com problema de saúde, relata um encarregado geral (salvo engano José Carlos Florêncio), que faleceu de câncer (não sabe em que órgão); que o irmão do José Carlos também trabalhava na ré e faleceu por doença, mas não sabe informar que doença teria sido, não se recordando neste momento de qualquer outro colega que tenha tido problema de saúde durante o contrato do depoente; que a "holandesa" era uma espécie de um tacho, onde eram colocados os materiais mencionados com uma espécie de pá misturando os elementos; que o depoente e o "de Cujus" pegavam sacos de cimento e de amianto, colocando-os sobre uma mesa, abrindo-os e virando-os na borda da "holandesa", depois permanecendo ao redor para acompanhamento da mistura e verificação do "ponto" respectivo; que a poeira dispersa no ar era praticamente a mesma na fábrica inteira e não concentrada em um ou outro local; que os próprios trabalhadores da "holandesa" a limpavam todo final de semana, aos sábados, utilizando uma espátula metálica para a retirada dos resíduos, complementando o trabalho com uma pá; que a massa produzida na holandesa" era escoada desta através de uma saída ("bica") que existia no próprio equipamento, havendo um cabo extensor que era puxado para sua abertura; que quando na havia uniforme a roupa do depoente era lavada em sua casa; que era raro haver exame médico periódico, estimando que realizou exames 1 ou 2 vezes durante todo o seu contrato, não tendo acesso ao laudo respectivo; que a constituição e aparência do amianto é muito diferente da do cimento, com este sendo um pó fino o amianto sendo na forma de fibras; que o amianto chegava na ré em fibras longas e era moído e um equipamento (molassa), depois sendo reensacado e então transportado e levado até a "holandesa"; que quando o depoente abria o saco de amianto e o vertia na "holandesa", via as fibras menores, mas não conseguia ver o pó do amianto; que quanto ao cimento, era possível visualizar a poeira desprendida; que conclui que havia pó de amianto disperso no ar porque também via uma poeira mais clara que o cimento depositada na laje que havia na ré; que o amianto chega seco à molassa e é misturado com um pouco de água para ser triturado; que esse amianto precisava estar seco para ser jogado na "holandesa"; que questionado quanto à nova mistura com água na "holandesa", presumindo-se ausência de problema com o amianto úmido, retifica para esclarecer que levavam o amianto seco porque o processo tinha seu tempo e quando buscavam o amianto na molassa este já havia secado; que houve vezes em que técnicos foram fazer vistoria na ré, mas não sabe quem eram, nem o tipo de vistoria, ressalvando que, nessas ocasiões, determinavam que o piso da ré fosse molhado, deixando-o úmido; que nos 17 anos de seu contrato sempre atuou na fábrica da Avenida Luiggi Amoresi em Londrina; que o proprietário da ré costumava ficar nessa mesma fábrica, Sr. Bergamin" (grifei).
A segunda testemunha declarou:
"que trabalhou na ré por 27 anos até, salvo engano o ano 2000, atuando com o "de Cujus‟ por 18 anos; que iniciou como serviços gerais na produção e chegou até a função de encarregado; que o "de Cujus‟ trabalhava na "holandesa onde havia a mistura do cimento com o amianto; que indagado sobre 18 anos do "de Cujus‟ no mesmo equipamento, reconhece que, no início, ele não atuava nessa máquina; que eram 2 ou 3 tipos de amianto, previamente misturados na molassa, de onde eram levados à "holandesa; que a "holandesa ficava ao lado da molassa; que era adicionado um pouco de água na mistura na molassa, mas afirma que o amianto saía seco da molassa; que o depoente não trabalhou na "holandesa nem na molassa; que os sacos de cimento e amianto eram despejados manualmente na "holandesa; que quando despejavam o cimento levantava pó, assim como levantava pó branco do amianto; que a testemunha anterior trabalhou na "holandesa; que não sabe explicar porque a testemunha que trabalhava na "holandesa não via o pó de amianto que o depoente via; que inicialmente não havia protetor de ouvido só fornecido por volta dos anos 80 ou 90; que na mesma época também passaram a utilizar máscara; que inicialmente usavam apenas uma máscara de tecido, presa na orelha com elásticos, cobrindo nariz e boca; que depois passaram a utilizar uma máscara amarela de plástico com filtros; que continuou havendo a disponibilidade de ambas as máscaras com os trabalhadores preferindo utilizar a branca e informando que a ré também preferia pelo custo; que não sabe estimar a época ou mesmo o número de anos em que houve ambas as máscaras; que inicialmente também não havia uniforme, depois sendo implantado, não se recordando quando; que inicialmente a roupa pessoal era lavada em casa, depois passando a ser em uma lavanderia contratada pela ré, não se recordando se isso ocorreu antes do uniforme; que o uniforme era composto de 1 calça e 1 camisa, de manga curta ou comprida à escolha do trabalhador; que a poeira também ficava dispersa durante o dia inteiro, mas reconhece que não era uma poeira visível, embora pudesse ser percebida; que a poeira ficava depositada sobre mesas por exemplo, não sabendo identificar se era amianto ou cimento; que o depoente não teve problemas de saúde durante o contrato na ré; que tem conhecimento de colegas que tiveram problemas de saúde, a exemplo de um encarregado, superior do depoente, que faleceu de problema pulmonar, mas não sabendo qual o problema ou causa específica, não se recordando de qualquer outro colega que tenha tido problema de saúde; que inicialmente um dos tipos de amianto tinha a cor azul, depois sendo proibido, deixando de ser usado, não se recordando quando isso ocorreu; que reconhece que a variedade de tipos misturados se alterou ao longo do contrato; que ouviu comentários de que este amianto azul vinha da África; que de vez em quando apareciam técnicos da associação nacional para vistoria na ré, mas não sabe o que iam fazer; que a empresa cresceu ao longo do contrato do depoente, chegando a ter 400 funcionários na produção, aproximadamente, estimando uma média de 200 funcionários ao longo de todo o contrato, já contando com o período de declínio até o fechamento da fábrica; que inicialmente trabalhavam sobre um chão seco, mas depois começou a ser mantido úmido esse chão, aproximadamente a partir dos anos 90; que também depois de certo tempo do início da fábrica passou a haver CIPA, assim como uma "comissão do amianto‟, integrada, salvo engano, por 1 ou 2 funcionários da ré, assim como outros técnicos de outras empresas do ramo; que esses funcionários da ré participavam de reuniões e treinamentos fora da empresa e técnicos de fora vinham visitar a ré; que se submeteu a apenas 1 ou 2 exames médicos periódicos durante o contrato com a ré; que não se recorda se o "de Cujus‟ fumava; que o encarregado do depoente que faleceu por problema do pulmão fumava; que na instalação da fábrica de Londrina vieram técnicos da cidade de Leme para treinamento dos empregados".
Diante destes depoimentos, reconheço que o "de cujus" trabalhou exposto à poeira de amianto, ainda que caiba presumir que a maior poeira dispersa no ar fosse de cimento. Também reconheço que houve fornecimento de EPIs, posto que não por todo o contrato.
Pelos documentos não desprezo as aferições indicando que a disposição de partículas era inferior aos níveis previstos na legislação. Ademais, pelo próprio conflito entre os depoimentos quanto ao amianto ficar em composição geradora de poeira ou apenas de fibras (sem pó), fica prejudicada uma conclusão robusta em favor da exposição crônica do trabalhador à poeira de amianto.
Mas os depoimentos e documentos são suficientes para demonstrar que houve períodos variáveis com maior e menor exposição ao produto, com mais e menos poeira e com maior e menor proteção aos trabalhadores.
Pelos próprios relatos testemunhais presume-se que a exposição ao risco não foi capaz de gerar maior frequência de doença nos trabalhadores, mas toda literatura e legislação invocada permite concluir que os danos do asbesto são elevados e que os níveis de segurança não são absolutos.
Da análise do conjunto probatório, concentro-me na parte do laudo pericial que concluiu que "caso seja comprovado que o de cujus esteve cronicamente exposto à poeira de asbesto, conclui-se que predominam fortemente os indícios de que se tratava de asbestose, doença ocupacional", ainda que não se pudesse descartar a "fibrose idiopática, sem relação com o trabalho".
Do próprio nexo técnico-epidemiológico, devem prevalecer as presunções favoráveis à tese da inicial, quando o conjunto probatório sobre as condições reais do caso concreto deixam dúvidas ao juízo, como no presente feito.
Mas também reconheço que a ex-empregadora tomou, ao longo do tempo, uma série de providências que visavam à redução dos riscos, tendo sucesso em evitar maiores danos e maior frequência de trabalhadores atingidos. Esta condição deve ser ponderada como atenuante para as responsabilidades e consequências para a empresa.
A moderna doutrina e a jurisprudência pátria têm reconhecido que, a partir do advento da Constituição Federal de 1988, não mais se exige a culpa grave do empregador, bastando a culpa leve, ante o disposto no art. 7º, inciso XXVIII, da Carta. Frise-se que parte da doutrina entende até mesmo dispensável a culpa, vez que o mencionado artigo especifica que os incisos relacionam direitos do trabalhador, "além de outros que visem à melhoria de sua condição social".
Ao expor o trabalhador a risco superior ao enfrentado por um indivíduo comum e ao se beneficiar da atividade laboral em condições de risco, a empresa deve responder pelas consequências, salvo nos casos de culpa exclusiva do empregado.
A responsabilidade do empregador pelos danos sofridos em doença ocupacional decorre da exposição do empregado a condições de risco inerentes à relação contratual. Nos termos do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, há a obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pela parte autora do dano implicar, por sua natureza, risco para direitos de outrem.
A doutrina e jurisprudência já consolidaram entendimento de que, em matéria de saúde e segurança do trabalhador, ao empregador não compete apenas disponibilizar proteção. Exige-se que efetivamente implemente medidas adequadas. Cite-se, a respeito, a Súmula 289, do C. TST, que exige não apenas fornecimento de EPI, mas sim medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, incluindo o uso efetivo dos equipamentos de proteção.
Por aplicação analógica deste entendimento, devemos considerar que, sendo potencialmente danosa a atividade e sendo possível avaliar eventuais restrições físicas do autor, deveria a empregadora tomar as cautelas adequadas, inclusive quanto a exames periódicos que identificassem e prevenissem o potencial de agravar estado de saúde.
Quando se mostra impossível o total impedimento de risco, isto é, quando é impossível se impedir totalmente o risco de acidente ou de doença ocupacional, a empregadora, beneficiária dos serviços, é quem deve responder pelos riscos envolvidos nestas atividades desenvolvidas por seus empregados, em favor da empregadora.
Resta estabelecer-se a extensão dos danos e das responsabilidades por indenizações.
II.6. DANOS MORAIS
Incontestável que a doença e seu sofrimento geram danos morais às pessoas.
Neste sentido, restam patentes os danos ao "de cujus".
Conforme nos apresenta WILSON MELO DA SILVA (O Dano Moral e sua Reparação, Saraiva, 3ª ed.): "Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não suscetível de valor econômico".
Reconhecida a responsabilidade da empregadora, resta a tarefa de estabelecer o quantum condenatório.
A questão da reparação de dano moral não está presa ao dever efetivo de indenizar a perda concreta, ante a impossibilidade de se aferir o devido prejuízo e respectivo valor reparatório, mas sim, no estabelecimento de valor pecuniário capaz de desagravar a ofensa sofrida.
O dano moral, por se referir, muitas vezes, ao ego, a um estado eminentemente íntimo, não requer prova material, podendo ser aferido pelo contexto dos autos.
A indenização (reparação/compensação) por danos morais decorre do sentimento de pesar íntimo ocasionado pela lesão. Desta feita, a indenização não é nada mais que um meio de minimizar a dor moral sofrida, visando, também, imprimir um efeito punitivo e pedagógico ao ato praticado pelo empregador, a fim de que o mesmo não reincida na conduta.
Para fixação do valor da indenização há que serem considerados os efeitos desta. Para o ofendido, ainda que não possa reparar os efeitos, deve ser razoável compensação, considerando-se o seu próprio padrão de vida, suas condições pessoais e sociais e a necessidade de proporcionar uma satisfatória compensação pela dor íntima, evitando-se apenas o enriquecimento ilícito. Para o ofensor há que ser suficientemente alta para, não apenas penalizar, mas, acima de tudo, desestimular o prosseguimento ou a repetição da prática, considerando especialmente a capacidade de pagamento do agente.
No presente caso, há que ser ponderado que os elementos nos autos permitem concluir pelo decurso de cerca de sete meses desde o diagnóstico do problema em um posto de saúde até o falecimento (tempo de sofrimento grave).
Deve ser ponderado que a empregadora era empresa que, segundo os documentos nos autos, tinha patrimônio de seis milhões de reais, mostrando-se elevada a pretensão de indenização de um milhão manifesta nos autos, ainda que este patrimônio da empresa fosse de cerca de dez a quinze anos antes.
Não desprezo as arguições da inicial, de que a ré tem patrimônio de mais de quatrocentos milhões, mas também, como economista, pondero que, conforme balanço e demonstrativo de resultados trazidos com a inicial, a lucratividade da ré estava abaixo dos níveis de rendimentos concedidos pela caderneta de poupança. Patrimônio líquido indica o capital da empresa, como demonstração de sua solidez, mas também mostra o quanto de recursos que os sócios investiram para gerar os resultados (lucros para os sócios, produção e emprego para a sociedade), devendo ser ponderado com cautela alto investimento que gera baixa lucratividade. Não cabe fixar indenização em faturamento, mas sim em lucro respectivo, capacidade econômica do que uma com um décimo do faturamento, mas 50% de lucro.
Deve ainda ser ponderado que a reclamada está sendo condenada por ter participado de um grupo econômico de que participou até 1998, sendo incontroverso que os problemas de saúde do "de cujus" foram decorrentes de anos de vida e trabalho. O período contratual do "de cujus" em fabrica de produtos de amianto foi de cerca 16 anos, sendo 11 no primeiro contrato (ainda sob o grupo econômico entre as empresas) e um segundo contrato de pouco mais de cinco anos, em que a ré já deixou de participar do grupo.
Finalmente, pondero que os elementos nos autos indicam que a renda gerada pelo "de cujus" era na ordem de pouco mais de dois salários mínimos. Esta condição simples não reduz o valor da vida, mas deve ser ponderada como elemento para se alcançar um valor que se mostre relevante para aqueles que irão receber a indenização. Ademais, em audiência já confirmada a existência de ação paralela, em que os herdeiros (beneficiários finais da indenização ora analisada), postulam indenização por danos morais a ser paga aos mesmos beneficiários.
Em face do exposto, ponderando a responsabilidade da empregadora e, consequentemente da ré, bem como todos os elementos já apreciados, acolho o pedido da parte autora, para condenar a reclamada a pagar, no prazo de oito dias, como reparação pelos danos morais, o valor ora arbitrado de R$ 20.000,00, equivalente a mais do que o triplo da renda do reclamante durante o período de sofrimento desde o diagnóstico comprovado nos autos.
Não adimplida a obrigação, no prazo estabelecido, deverá ser computada atualização monetária (pela tabela econômica do TRT da 9ª Região), a partir da data de publicação da presente sentença (considerando que o valor foi arbitrado já considerando o quantum devido neste momento processual), tudo conforme entendimentos consubstanciados na Súmula 11 do TRT da 9ª Região e Súmula 439, do C. TST.
Quanto aos juros, pondero os entendimentos consubstanciados na mesma Súmula 439/TST, para determinar a incidência desde o ajuizamento da ação, na razão de 1% ao mês, "pro rata die", deixando claro que a fixação do valor da indenização (R$ 20.000,00) não menosprezou o fato de este alcançar, na data desta sentença, o total que ultrapassa o valor de R$ 23.500,00, apenas pela incidência dos juros de mora sobre o valor original.
Defiro, nestes termos o pedido.
Nas razões de recurso, acentuam-se aspectos como a culpa da ré e a gravidade da doença que acometeu o trabalhador (asbestose). Entende o recorrente que o valor da indenização fixado em primeiro grau não atende à dupla finalidade da condenação, que é a compensação pelo dano sofrido e o desestímulo à prática deletéria do ofensor. Assevera o recorrente que o de cujus trabalhou exposto ao asbesto ao longo de todo o período contratual e, dez anos depois da rescisão, foi diagnosticado com a doença que o levou a óbito. relata que sua saúde se deteriorou de forma extremamente célere, causando enorme sofrimento, não apenas pelas restrições físicas, mas também pelo desgaste emocional e psicológico, especialmente diante do mau prognóstico da doença. São feitas considerações, ainda, sobre a negligência da empresa, seu completo descaso com a saúde, dignidade e vida de seus empregados, seja durante o contrato de trabalho, seja depois do surgimento das doenças que dele decorreram.
Alega, ainda, o recorrente que, nos termos do art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981, a responsabilidade do poluidor - aí incluído o poluidor labor-ambiental - é objetiva, prescindindo, portanto, da análise do elemento subjetivo da responsabilidade (culpa ou dolo). A mesma conclusão se extrai do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, porquanto a atividade da empresa reclamada sabidamente implica, por sua natureza, risco à saúde e à integridade física dos trabalhadores. Observa que, quando da admissão do de cujus, os dano potencial do asbesto já estava fartamente comprovado pela literatura médica, conforme documentos trazidos aos autos. Também asseveram que a própria legislação já contemplava a necessidade de proteção da saúde desses trabalhadores, inclusive no que se refere a equipamentos de proteção individual e coletiva. Vislumbra dolo na conduta da ré que "mesmo ciente da potencialidade maléfica inerente à matéria-prima por ela utilizada, deliberadamente omitiu-se em seguir as normas de medicina e segurança do trabalho, deixando de prover o mínimo de segurança aos trabalhadores".
O recorrente discorre sobre a capacidade econômica da empresa ré, que classifica de extraordinária, pede que se adote ponderação para atender o caráter pedagógico da decisão, menciona valores (de patrimônio líquido, de volume de vendas, lucros, etc) e pede que se empreenda reforma para ampliar o valor da condenação para valor que não seja inferior ao postulado na inicial. (R$ 1.000.000,00 - um milhão de reais).
A ré também se insurge contra a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, alegando, de início, que o de cujus jamais prestou-lhe serviços. Alega, ainda, que o autor teve dois contratos de trabalho: "o primeiro entre 23 de julho de 1986 a 14 de dezembro de 1997, portanto, 11 anos e cinco meses. Em seguida, ficou sem trabalhar para a INFIBRA DO PARANÁ até 24 de agosto de 1998, portanto, durante oito meses, quando foi novamente contratado e trabalhou até 12 de novembro de 2003, portanto, por mais 5 anos e 3 meses, aproximadamente". Nega que ele tenha exercido a função de mossaleiro, conforme alegado na inicial e que foi acometido de asbestose dez anos depois da rescisão contratual. A respeito da doença, assevera que providenciou exames de alta precisão que chegaram à conclusão de que a doença de que padeceu o de cujus não era asbestose. Acentua o fato de o julgador admitir que o laudo produzido pelo perito judicial favorece a tese da defesa, porém, decidir contrariamente à prova técnica, o que considera inadmissível. Transcreve trechos da sentença em que se considera comprovada a exposição ao asbesto, porém, não se consegue demonstrar que ela foi crônica. Conclui que não foram demonstrados o ato ilícito, o nexo causal e o dano e que, na verdade, sequer houve diagnóstico de asbestose.
Pondera a recorrente que "ainda que a doença em questão seja de longa instalação e com efeitos longos na vida da pessoa, podendo chegar para lá de 25 anos para se ter um diagnóstico, o fato é que aqui isso não foi possível ou constatável" e pede reforma porque não é possível concluir que a doença tenha tido origem no trabalho. Entende que não há como estabelecer a ligação direta entre a doença e a exposição "se é que ela tenha realmente ocorrido em níveis intoleráveis ou crônicos" (fl. 966) e afirma que, conforme asseverado na própria sentença, "no decorrer do tempo, sempre se pautou a empresa em apresentar os equipamentos de proteções individuais e que não podem ser aferidos como ineficazes pelas testemunhas, aliás, testemunhas que trabalharam no mesmo local do "de cujus", até por mais tempo, e não apresentam qualquer sintoma da doença". Discorre sobre relatórios de aferições elaborados pela vigilância sanitária, em que se constatou que diversos problemas foram resolvidos, a exemplo do vestiário duplo, amostras de ar com concentração de amianto inferior aos limites legais.
Reitera a recorrente que a "própria incidência da asbestose é de longa duração. Ela não ocorre de forma imediata, mas no decorrer dos anos, e, na espécie, o pouco tempo considerado é prova maior da sua inexistência e, ainda, as próprias testemunhas, que trabalharam junto com o reclamante e até prestaram serviços por mais tempo na INFIBRA DO PARANÁ não sofrem qualquer sintoma da doença ou dela própria" (fl. 969). Considera o valor fixado na sentença (R$ 20.000,00 - vinte mil reais) desproporcional e irrazoável, independentemente do porte econômico da empresa. Discorre sobre os efeitos da crise econômica "e a própria constante atividade combativa ao amianto" como fatores que têm tornado praticamente inviável seu setor de produção. Alega, por fim, "ser necessário tempo muito maior do que o definido pelos autores para o diagnóstico da doença, ou seja, ela apenas ocorre muitos anos depois e não nos poucos anos decorridos em relação a situação do "de cujus" e pede que se afaste a condenação ou, sucessivamente, que se reduza o valor da indenização para um salário mínimo.
Analiso.
De início, e com todo o respeito à ré, assevero não merecerem consideração seus argumentos no sentido de que a exposição do de cujus ao amianto ocorreu por pouco tempo ou, ainda, que a asbestose costuma se manifestar muito tempo após o contato, e não logo após, como teria ocorrido. Todo o conjunto probatório demonstra, de modo inafastável, que o de cujus trabalhou exposto ao amianto durante quase vinte anos e que a doença apresentou sintomas cerca de dez anos após seu desligamento da empresa, ou 27 anos após o início do contato com o agente nocivo.
Ainda, penso ser oportuno acentuar que a própria recorrente admite que a substância utilizada em seu processo produtivo é de alta nocividade, tanto que motiva campanhas ao redor do mundo pela sua abolição, dada a gravidade dos males que provoca.
É de conhecimento geral que o amianto foi uma das principais matérias primas utilizadas no processo de industrialização mundial no final do século XIX e primeira metade do século XX, "período em que as doenças associadas ao contato com o pó de asbesto e as fibras microscópicas começaram a ser identificadas. Deste então, o asbesto passou a ser conhecido como a poeira assassina" (http://www.mdsaude.com/2010/06/mesotelioma-asbesto-asbestose-amianto.html). Sabe-se que os materiais à base de amianto foram proibidos em toda União Européia e Austrália, porém, apesar de todo conhecimento dos riscos à exposição do asbesto, interesses econômicos ainda mantêm a produção de asbesto elevada em alguns países, principalmente Rússia, China, Cazaquistão, Canadá e Brasil, os cinco maiores produtores do mundo. Ainda, a literatura médica é farta em referência ao fato de que a exposição ao amianto não causa apenas a asbestose, mas uma série de doenças pulmonares, como mesotelioma pleural, mesotelioma peritonial, câncer de pulmão, entre outras.
Em artigo que resultou da pesquisa "Amianto e suas Conseqüências Sócio-Familiares: uma abordagem comparativa franco-brasileira" que foi realizada no Brasil nos anos de 1995-1997, financiada pelo INSERM/França e CNPq/Brasil, originalmente apresentado no V Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (ABRASCO), Águas de Lindóia, 1997, encontram-se registros importantes a respeito das doenças causadas pela exposição ao amianto ( .DOENÇAS PROFISSIONAIS PROVOCADAS PELO AMIANTO NO BRASIL E A CONSTRUÇÃO DOS CONTRA-PODERES: UMA ABORDAGEM EM SAÚDE, TRABALHO E GÊNERO. SCAVONE, L.1, GIANNASI, F2. & MONY, A. T.-):
No Brasil, os dados sobre as doenças provocadas pela exposição ao amianto são dispersos, raros e sobretudo, comprometidos com os interesses da indústria amiantífera. Esta situação deve ser compreendida dentro do quadro mais geral das estatísticas das doenças profissionais no Brasil, cuja subnotificação é notória. A invisibilidade das doenças relacionadas ao amianto se agrava pelas próprias características das mesmas: costumam se manifestar distante do local onde foram contraídas, e, algumas vezes, muitos anos depois, dificultando o estabelecimento de nexos causais, as notificações e a visibilidade social das mesmas. (Lipietz, 1997).
A partir de 1993 houve um aumento considerável nos registros das doenças profissionais informadas ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social): passaram de 8.299 em 1992 para 15.270, sobre 23.000.000 de trabalhadores/as registrado/as. Este aumento se deveu em parte à mudança na legislação e também a uma maior organização por parte do/as trabalhadores/as (INSS,1997). Embora os neoplasmas apareçam como quarta causa de mortalidade no Brasil em 1991 (RDHB, 1996), sua associação a causas profissionais é rara.
No caso específico das doenças relacionadas ao amianto, podemos ainda acrescentar outros fatores que contribuem para um conhecimento institucional fragmentado sobre as mesmas: a alta rotatividade dos/as trabalhadores/as no mercado de trabalho; a legislação brasileira ter instituído somente a partir de 1991 a obrigatoriedade de controle médico rigoroso nos expostos; a inexistência de trabalhos epidemiológicos de busca ativa de casos, quer junto aos/às trabalhadores/as, quer junto a populações não expostas ocupacionalmente, além de outros fatores que detalharemos no decorrer deste texto.
As doenças profissionais relacionadas ao amianto são: a asbestose (doença crônica pulmonar de origem ocupacional e de caráter irreversível e progressivo), cânceres de pulmão, do trato gastrointestinal e o mesotelioma, tumor maligno raro, que atinge a pleura e o peritônio com um período de latência em torno de 30 anos. Destas doenças poucas foram caracterizadas como ocasionadas pela exposição ao amianto no Brasil. Menos de uma centena de casos estão citados em toda a literatura médica deste século - sendo 56 casos de asbestose, dois de cânceres e 4 de mesotelioma - os quais, embora diagnosticados com nexo causal investigado e conhecido, não tiveram qualquer reconhecimento oficial e não constam dos registros da Previdência Social e de suas estatísticas de infortunística no trabalho. (COSTA, 1983; MENEZES, 1956; TEIXEIRA & MOREIRA, 1956; UNICAMP, 1980).
Na pesquisa, que realizamos sobre as doenças profissionais ligadas ao amianto e seus impactos nas famílias (Scavone; Giannasi; Thébaud-Mony, 1997), buscamos localizar ocorrências de mesoteliomas, pois esta doença é quase sempre associada à exposição ao amianto e leva ao óbito em menos de dois anos a quase totalidade dos casos. As dificuldades de encontrar estatísticas desta doença foram inúmeras: o primeiro motivo foi que somente com a 10ª. edição da Classificação Internacional das Doenças (CID) em 1995 é que o mesotelioma passou a ter código específico (anteriormente estava enquadrado em cânceres de pleura ou peritônio). O segundo motivo foi a incapacidade médica de diagnosticar esta doença, pois os cursos de Medicina do Trabalho no Brasil são oferecidos só como especialização e não na formação básica. E, por fim, embora os cânceres sejam de registro compulsório, não existe uma informação centralizada e as diferentes fontes de dados adotam bases não uniformes e difíceis de serem cruzadas.
Registro, por oportuno, que os pesquisadores responsáveis pela coleta de dados que balizam o artigo observaram casos de doenças adquiridas em unidades da própria ré, na cidade de Leme, interior de São Paulo, como se vê nos trechos extraídos da mesma fonte:
É bom frisar que só recentemente as grandes empresas usuárias de amianto no Brasil adotaram o uso de lavanderias para limitar os riscos paraocupacionais ou indiretos(GIA, 1988; GIA, 1993), impedindo com isto que os trabalhadores expostos levem suas roupas contaminadas para lavar em casa e exponham outros membros da família: crianças e principalmente as mulheres que, na clássica divisão sexual do trabalho, se ocupam da lavagem e cuidado das roupas. Costa (1983), num estudo realizado na cidade de Leme, constatou este fato e alertou para o risco de exposição ao amianto que as famílias destes trabalhadores estavam se submetendo por meio da poeira das roupas de trabalho levadas para casa.
(...)
Fizemos uma pesquisa exploratória, utilizando a técnica de entrevistas em profundidade, tendo como principais informantes as esposas dos trabalhadores, os quais haviam falecido há pouco tempo quando as contatamos. Tivemos, como informantes secundários, alguns dos membros mais próximos destas famílias. Valendo-nos dos dados coletados, construímos a trajetória familiar, profissional e de saúde do trabalhador atingido pela doença e também as trajetórias de vida de suas mulheres. Esta metodologia nos permitiu visualizar a inter-relação dos campos estudados - trabalho, família e saúde - evitando-nos uma análise determinista.
Nos dois casos eles tinham tido exposição ocupacional, um deles diretamente numa indústria de cimento-amianto e o outro numa prestadora de serviços para uma grande indústria multinacional do mesmo produto. As famílias vivem em Leme, cidade do interior do Estado de São Paulo, onde se situam duas indústrias médias de cimento-amianto e algumas outras de menor porte. É, inclusive, nesta região que se concentram as principais fábricas deste setor no país.
Em Leme é voz corrente, entre os trabalhadores, a relação de cânceres com os trabalhadores das indústrias de cimento-amianto, o que provavelmente aumentou as suspeitas da família. (sem grifos no original)
Com essa exposição de dados científicos, penso, com todo o respeito à ré, que superam-se seus argumentos a respeito da suposta ausência de prova de que a doença que vitimou o trabalhador não tenha qualquer relação com o longo período em que trabalhou exposto diretamente ao amianto.
Nesse cenário, concluo restar para análise a questão dos danos morais.
Na hipótese dos autos, entendo que caracterização da doença ocupacional lesou o trabalhador em sua dignidade e honra subjetiva. Segundo a Organização Mundial de Saúde, conforme os Instrumentos de Avaliação de Qualidade de Vida (WHOQOL) 1998, qualidade de vida se define como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações." (WHOQOL GROUP - 1994). Um dos elementos dimensionadores desse conceito é o domínio psicológico. Isso significa que abalos psicológicos interferem diretamente na qualidade de vida. Cabe distinguir tais abalos entre os chamados "meros aborrecimentos do quotidiano" e aqueles que podem efetivamente atingir o psicológico da pessoa a ponto de afetar sua auto-estima, sua honra e sua dignidade.
Para restar caracterizado o dano moral é imprescindível que reste indene de dúvidas o efetivo dano sofrido pelo empregado, salientando que a indenização por dano moral é caracterizada por elementos objetivos e não por mera consideração subjetiva da parte que se declara atingida. Segundo o magistério de Wilson Melo da Silva, dano moral se conceitua como sendo:
"lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, atendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao material, o conteúdo de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico" (apud Clayton Reis, "Dano Moral", Editora Forense 3ª edição, pág. 06."
No caso em tela, o dano moral se faz presente e, ao contrário do que sugere a ré, em recurso, decorre do próprio ambiente de trabalho, sem que se encontre nos autos sequer indícios de que algum outro fator possa ter acarretado a doença ou mesmo contribuído para seu surgimento ou agravamento. Acentuo a dor experimentada, seja pelo trabalhador, seja por seus familiares, do sofrimento psicológico, da submissão a tratamento sem sucesso.
Recorro, vez mais, às preciosas considerações científicas extraídas do artigo já mencionado nesta decisão. Com escusas pelas transcrições, muitas vezes extensas, pondero que se tratam de narrativas contundentes, até mesmo chocantes, mas capazes de nos situar no cenário dramático vivenciado pelas famílias que experimentam tragédias como a que acometeu o de cujus. Analisando as repercussões das doenças profissionais causadas pelo amianto, reportam os cientistas que:
O quadro familiar se transforma, a doença reordena a rotina da família e Regina busca um ajuste para a nova situação: primeiro, hospitalizações freqüentes do marido; depois idas diárias ou semanais ao Hospital em Campinas para quimioterapia, e se instaura a suspeita da gravidade do caso. A desordem familiar provocada pela doença vem acompanhada das mudanças no comportamento do doente que de uma pessoa alegre e carinhosa se transformou numa pessoa triste, irritada com as crianças, desconfiada com os outros e sempre reclamando da dor forte que persistia. O desenvolvimento do tumor causou uma deformação física penosa de aceitar, fatores que contribuíram para uma exclusão do convívio social dando lugar a complexos e inseguranças projetadas na desconfiança daqueles que estão no mundo dos sãos. A sociabilidade do doente, além da família, restringiu-se ao local de tratamento da doença, o mundo dos doentes.
O adoecimento do trabalhador numa família onde ele é o principal provedor - como é este primeiro caso - é uma forma de desemprego às avessas, espécie de morte social, pois parando de trabalhar o doente fica excluído de uma parte importante do convívio social; a doença é vivida como uma derrota que impossibilita a volta para a vida ativa. Tratando-se de uma doença mortal como o mesotelioma, não há esperanças, mas sim um processo rápido de deterioração da saúde, causando um desequilíbrio nas relações afetivas familiares cujas conseqüências sobrecarregam, sobretudo, as mulheres da família que se ocupam dos cuidados necessários à manutenção do doente e do sustento da casa. Regina recebia uma pensão equivalente a U$ 135, na doença/morte do marido, que a obrigou a continuar trabalhando. Só parou quando a doença se agravou, contando, a partir daí, com a ajuda de parentes. Assim, durante a doença houve uma perda do poder aquisitivo da família em relação ao período em que João estava trabalhando; depois da sua morte a situação financeira melhorou um pouco, porque diminuíram as despesas com medicamentos. Ele faleceu em 1994, aos 56 anos de idade, de mesotelioma de pleura associado à exposição ao amianto (De Capitani et al., 1997). O atestado de óbito, constando como causa mortis caquexia, isto é, a falência generalizada dos órgãos, foi firmado por médico conhecido na cidade de Leme o qual, além de suas atribuições na esfera pública, assessora as duas principais empresas locais de cimento-amianto.
Pontuo a peculiaridade de que a causa da morte do trabalhador referido no estudo coincide com a que consta no atestado de óbito do trabalhador, nestes autos.
Caracterizado o dano e que o mesmo gerou ofensa ao trabalhador, justifica-se a concessão de indenização compensatória que deverá ser fixada e suportada pela ré, cuja responsabilidade decorre da norma insculpida no artigo 186, combinado com o artigo 927 do Código Civil:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."
"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo."
Quanto ao valor fixado, penso que devem ser utilizados como parâmetros a gravidade do fato, o período do contrato de trabalho e o porte econômico da ré, entre outros. Assim, considero que soa em harmonia com a razoabilidade majorar a indenização, ainda que não ao patamar proposto na inicial (um milhão de reais). Em contrapartida, não vislumbro fundamento para a redução sugerida pela ré (para um salário mínimo). Penso, ainda, que, para além da compensação pelo inegável abalo moral impingido ao trabalhador e a sua família, a condenação deve mostrar-se capaz de desencorajar a continuação do uso da substância tóxica, pela ré, o que, certamente, também terá acentuado caráter pedagógico para outras empresas que atuam no segmento. Com efeito, alternativas há e devem ser buscadas, incansavelmente, pois nada justifica a busca incessante de lucros sem o mínimo de preocupação com as repercussões sociais de doenças como a que vitimou o autor e que ainda remanescem, de certa forma, sob o manto da invisibilidade. Cumpre pontuar que "a invisibilidade das doenças relacionadas ao amianto se agrava pelas próprias características das mesmas: costumam se manifestar distante do local onde foram contraídas, e, algumas vezes, muitos anos depois, dificultando o estabelecimento de nexos causais, as notificações e a visibilidade social das mesmas. (Lipietz, 1997, op. cit).
Reformo a r. sentença para ampliar o valor da indenização por danos morais para R$ 100.000,00 (cem mil reais), mantidos os critérios de atualização monetária fixados na sentença.
O pedido de condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios foi indeferido pelos seguintes fundamentos:
II.9. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Conforme entendimento já consolidado na Súmula 219, do C. TST, na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
Ressalto que estes posicionamentos jurisprudenciais têm se mantido, mesmo depois do Código Civil de 2002.
Neste sentido a Súmula 17 do TRT da 9ª Região:
"HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUSTIÇA DO TRABALHO. LIDES DECORRENTES DA RELAÇÃO DE EMPREGO. LEIS N. 5.584/70 E 10.537/02. O deferimento dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, em lides decorrentes da relação de emprego, pressupõe o preenchimento concomitante dos requisitos da insuficiência econômica e da assistência sindical, nos moldes do disposto no art. 14, parágrafo primeiro, da Lei 5.584/1970, mesmo após a vigência da Lei 10.537/2002".
Não satisfeitos os requisitos da Lei 5.584/70, ante a ausência de assistência pelo sindicato profissional ou por advogado por este credenciado, resta indevido o pagamento de honorários assistenciais ou advocatícios.
Inconformada, a parte autora alega que não se trata de demanda trabalhista típica, mas sujeita à imposição de honorários de sucumbência, como reconhece atualmente o TST. Pede a reforma sob pena de violação aos arts. 5º, XXXV, e 133 da CF; 20 do CPC; 2º, §1º, da Lei 8.906/94.
Inicialmente, cumpre ressaltar que os honorários advocatícios diferenciam-se dos honorários assistenciais, mormente quando tratados no âmbito desta justiça especializada.
Enquanto os primeiros não são, em regra, devidos no processo do trabalho - salvo nas ações especiais -, por decorrem da sucumbência das partes, nos termos do Código de Processo Civil; os segundos são devidos nas demandas trabalhistas em razão da gratuidade da justiça ou da assistência judiciária gratuita deferida à parte, normalmente, obreira.
Feito esse esclarecimento, passa-se à análise da insurgência recursal.
A sistemática legal da assistência judiciária gratuita foi modificada pela Lei 10.537/2002, que conferiu nova redação ao artigo 789 da CLT, dispositivo que, em conjunto com a Lei 1060/1950, passou a reger a assistência judiciária gratuita no processo do trabalho (gênero que compreende a justiça gratuita e os honorários assistenciais ou advocatícios).
Primeiramente, a Lei 10.288/2001 introduziu o §10 no artigo 789 da CLT (O sindicato da categoria profissional prestará assistência judiciária gratuita ao trabalhador desempregado ou que perceber salário inferior a cinco salários mínimos ou que declare, sob responsabilidade, não possuir, em razão dos encargos próprios e familiares, condições econômicas de prover à demanda), passando a regular integralmente a assistência judiciária. Portanto, esse dispositivo derrogou o artigo 14, caput e §1º, da Lei 5.584/1970.
Entretanto, um ano após, foi editada a Lei 10.537/2002, que determinou nova redação ao mesmo artigo 789 da CLT, nada mencionando sobre o aludido §10, que, dessa forma, foi revogado tacitamente pela lei nova.
Atualmente, é o artigo 790, §3º, que trata da concessão dos benefícios da justiça gratuita (É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família).
O entendimento pessoal desta Relatora é de que, interpretado sistematicamente, tal comando legal permite concluir que restou suprimida a assistência judiciária como monopólio da entidade sindical profissional, de forma a tornar possível o pagamento de honorários advocatícios ao beneficiário da justiça gratuita.
Contudo, esta relatora cede passo ao posicionamento adotado pela d. maioria dos integrantes deste e. Colegiado, no sentido de que o item I da Súmula 219 do c. TST (Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte, concomitantemente: a) estar assistida por sindicato da categoria profissional; b) comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (art.14,§1º, da Lei nº 5.584/1970).) condiciona o deferimento da verba ao preenchimento dos dois requisitos ali mencionados, quais sejam: a declaração de insuficiência de recursos financeiros e a assistência sindical.
Com o propósito de sustentar essa nova posição, vale mencionar os seguintes precedentes do c. Tribunal Superior do Trabalho: RR 1812500-59.2003.5.09.0651, DEJT 25/02/2011, 1ª Turma, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa; RR 52600-46.2002.5.09.0068, DEJT 25/03/2011, 2ª Turma, Rel. Min Renato de Lacerda Paiva; RR 72000-06.2008.5.09.0660, DEJT 18/03/2011, 3ª Turma, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira.
Da análise dos autos, constata-se que, não obstante o autor tenha declarado não possuir condições de arcar com as despesas processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família (fl. 35), não se encontra assistido pelo sindicato da categoria. Dessa forma, não há espaço para a condenação da ré ao pagamento de honorários assistenciais.
Cumpre destacar que entende esta e. Segunda Turma que não se aplica ao processo do trabalho o artigo 20 do CPC, por versar a respeito de honorários de sucumbência, nem os artigos 389, 395, 402 e 404 do CC, para fins de arbitramento de indenização decorrente de despesas efetuadas com advogados, na medida em que, conforme acima exposto, há lei específica que regula a matéria pertinente aos honorários de advogado no processo do trabalho.
Por fim, convém lembrar que, ao contrário do que alega o recorrente, o caso concreto versa a respeito de lide tipicamente trabalhista, motivo pelo qual o disposto no artigo 5º da Instrução Normativa 27/2005 do c. TST (Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência) não confere amparo ao deferimento de honorários.
Ante o exposto, impõe-se a manutenção da r. sentença, sem que se cogite de violação aos dispositivos constitucionais e legais, tampouco contrariedade aos entendimentos jurisprudenciais citados pelo recorrente.
Nego provimento.
Em face da invocação da prescrição cível, feita em defesa, o julgador de primeiro grau assim decidiu:
II.3. PRESCRIÇÃO
A ré invoca a prescrição cível, de três anos.
Com o devido respeito a entendimentos que fundamentam as arguições da defesa, pondero que as pretensões dos autores se referem ao fato ocorrido em 2013 (a doença e morte do trabalhador).
Se o trabalhador deixou de trabalhar há mais de dez anos, este fato pode ser ponderado para aferição sobre o nexo causal entre as condições laborais e o fato invocado como causador dos danos cujas indenizações são pretendidas.
A despeito da rescisão contratual mais de dois anos antes do ajuizamento da ação, pondero que a jurisprudência tem se firmado pela consideração de que, tratando-se de doença que só se manifesta muitos anos depois da exposição a agente insalubre (como no caso alegado no presente feito), só cabe o cômputo do prazo prescricional a partir da manifestação da patologia e da consolidação do dano.
Por conseguinte, tratando-se de arguição de doença manifesta em 2013, com o ajuizamento da presente ação em 2014, não cabe o acolhimento de prescrição extintiva das pretensões.
Isto posto, rejeito a prejudicial.
Foi reconhecida a existência de grupo econômico, nos seguintes termos:
II.4. GRUPO ECONÔMICO
A empregadora, conforme CTPS de fl. 102, era Infibra do Paraná Cimento Amianto Ltda., sob CNPJ 76.929.439/0001-65, enquanto a ré é a empresa Infibra S.A., sob CNPJ 04.227.941/0001-28.
Conforme cópias de autos juntados com a inicial e arguidos pela defesa, houve relação entre os sócios da ré e da ex-empregadora. A defesa argui que a "affectio societatis" se limitou ao período até 1988, invocando sentença cível que reconheceu a intenção de dissolução de sociedade desde 1988, com os sócios já manifestando a intenção e retirada "ao menos a partir de 2001". A ré reconhece sócios comuns entre as empresas (Narcio Martim, Luiz Fernando Marchi, Geraldo Marchi e Hamilton de Rez), posto que os sócios administradores da Infibra do Paraná Ltda. fossem outros, principalmente Américo Bergami e Claudionor Bueno.
Pelos documentos de fls. 336 e seguintes, bem como 545 e seguintes, denota-se que houve comunhão parcial de sócios entre a ex-empregadora do "de cujus" e a reclamada, mas sem participação dos sócios desta na administração daquela a partir de 1998, inclusive se mostrando necessária ação judicial para divisão societária.
Este juízo já reconheceu o grupo econômico entre a ré a ex-empregadora do "de cujus" em outras reclamatórias, mas sempre devem ser ponderadas as condições de provas em cada autos. Ademais, no feito citado nos presentes autos, em que este juízo reconheceu o grupo, foi ponderado que a execução se direcionara também aos sócios comuns e a responsabilidade destes independia da existência ou não relação entre as pessoas jurídicas.
Pondero jurisprudência citada em razões finais da ré (RR - 214940- 39.2006.5.02.0472 Data de Julgamento: 22/05/2014, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014), que já era do conhecimento deste juízo, em que a SBDI-I do C. TST manifesta posicionamento pela não caracterização de grupo econômico pela simples existência de sócios em comum, sendo necessária a comprovação de hierarquia e laços de direção entre as empresas.
No presente feito é relevante ponderar que os documentos trazidos pela reclamada, referentes ao processo cível de dissolução da sociedade indicam que havia a comunhão de sócios, mas que os que participavam da ré não estavam atuando na administração da ex-empregadora do "de cujus" desde 1998 (quando demonstrada a intenção da dissolução). Houve inclusive necessidade de ação judicial para prestação de contas e dissolução da sociedade, na ação ficando demonstrado que uma das razões do conflito entre os sócios era a administração da empresa e Londrina apenas por aqueles sócios que não integravam a reclamada, indicando que, no período da dissolução, não havia a comunhão administrativa e muito menos a hierarquia entre as duas pessoas jurídicas.
Mais cauteloso seria se a ação tivesse sido proposta em face de ambas as pessoas jurídicas, até porque eventual limitação da responsabilidade à empresa paranaense permitiria a responsabilização dos sócios (e ex-sócios) em eventual inadimplemento. Mas a parte autora optou pelo risco extremo de limitar a ação em face da ré, sob o fundamento exclusivo do grupo econômico.
Mas o contrato do "de cujus" é longo e a própria cópia da ação cível indica que os sócios da ré constavam no contrato da empresa paranaense como sócios-gerentes, presumindo-se a comunhão das administrações.
É matéria efetivamente complexa e a jurisprudência é farta em favor de ambas as teses.
Por cautela, considerando a indicação de que ambas as empresas tiveram sócios-gerentes comuns, bem como ponderando os princípios de proteção ao trabalhador, em especial quando incontroverso que a ex-empregadora encerrou atividades, reconheço o grupo econômico entre as empresas e, por consequência, a responsabilidade da reclamada pelas obrigações da empresa Infibra do Paraná Cimento Amianto Ltda., ex-empregadora do "de cujus", nos termos do § 2º, do art. 2º, da CLT.
Mas ressalvo que a relação entre as empresas se limitou ao período até 1998, quando houve a manifesta intenção de cisão societária, já não cabendo presumir a comunhão de administração, mesmo que a dissolução definitiva só tenha sido alcançada anos depois por via judicial.
Tratando-se de ação que postula indenização por danos gerados pela alegada exposição do trabalhador a anos de risco à saúde durante todo o contrato, mesmo com os efeitos consolidados após a rescisão, reconheço que a existência inicial do grupo gera a responsabilidade da ré pelos danos causados no início do contrato (se houve danos), ainda que sua ausência de sua participação nos anos finais possa ser atenuante ou limitante desta responsabilidade.
Nestes termos analiso as pretensões dos autores e as responsabilidades da ré.
No tópico em que foi reconhecida a ocorrência de danos morais e arbitrado o valor da indenização, acentuou o magistrado:
Deve ainda ser ponderado que a reclamada está sendo condenada por ter participado de um grupo econômico de que participou até 1998, sendo incontroverso que os problemas de saúde do "de cujus" foram decorrentes de anos de vida e trabalho. O período contratual do "de cujus" em fabrica de produtos de amianto foi de cerca 16 anos, sendo 11 no primeiro contrato (ainda sob o grupo econômico entre as empresas) e um segundo contrato de pouco mais de cinco anos, em que a ré já deixou de participar do grupo.
Nas razões de recurso, a ré alega que deve ser considerada a ocorrência de prescrição, já que o falecido se encontrava afastado da INFIBRA DO PARANÁ há mais de dez anos. Faz, ainda, as seguintes ponderações:
Resulta agora necessário buscar quando teria sido o ato inequívoco de conhecimento da doença que diz portar o falecido a petição inicial quando de sua morte. Efetivamente, apesar de observarmos no mérito propriamente dito não existir sequer doença relacionada com o amianto, que a inicial procura retratar, o fato é que sua constatação não se deu quando da morte do ex-empregado, por evidente. Caso se pudesse definir como portador da doença advinda do amianto, repita-se, como quer fazer crer a petição inicial, seu conhecimento, diante dos sintomas comuns, de problemas respiratórios constantes durante anos, realmente, não ocorreram apenas nos últimos três anos e muito menos o relatório médico acostado na petição inicial é sinal do conhecimento inequívoco do fato.
O art. 206, inciso V, § 3º, do Código Civil é claro em expor o prazo de 3 anos para ações de reparação civil, como é a agora intentada pelo espólio. Entretanto, o conhecimento inequívoco do fato que poderia ter gerado uma ação não se deu com a morte do empregado, mas, sim, evidentemente, muito antes, ainda mais diante do extenso tempo existente entre o final da relação de emprego e a morte do ex-empregado. Assim, efetivamente, nada nos autos pode revelar o ato inequívoco ocorrido no período trienal antes do ajuizamento da ação, ou seja, de 30 de abril de 2011.
A recorrente insiste na necessidade de o espólio autor demonstrar que houve administração conjunta das empresas, em moldes capazes de configurar grupo econômico, ônus do qual não se desvencilhou a contento. Entende que não basta haver, por escrito, a indicação dos sócios administradores, sem prova alguma de real exercício em conjunto dessa administração.
Analiso.
Com todo o respeito à recorrente, não se vislumbra a necessidade de qualquer reparo na sentença. O conhecimento efetivo da existência da moléstia ocorreu em 2013, sem que se cogite de considerar qualquer outra data anterior, como cogita nas razões de recurso. Pondero que as peculiaridades da doença que vitimou o trabalhador não permitem, em hipótese alguma, que se considere a prescrição trabalhista bienal. Na esteira de considerações feitas na análise conjunta dos recursos a respeito dos danos morais, a asbestose só manifesta seus primeiros sintomas anos, muitas vezes décadas depois do contato com o agente (amianto). seria, de fato, despropositado aplicar a prescrição trabalhista em feitos como o presente, em que se discute exatamente a compensação pelo abalo moral sofrido pelo trabalhador acometido de asbestose e que teve a vida ceifada em poucos meses depois de saber da doença.
No que se refere aos argumentos relacionados a grupo econômico, data venia da recorrente, faz pouco sentido supor que a parte autora devesse produzir prova de que houve efetivos atos de ingerência dos sócios administradores que, conforme a própria recorrente admite, constam no contrato social como administradores da ré. Não é essa a perspectiva vislumbrada pelo legislador, quando define o grupo econômico, no art. 2º da CLT.
O posicionamento desta E. Turma é de que a configuração de grupo econômico, para os fins almejados pelo legislador trabalhista, não exige que se constate direção, controle ou administração por uma das empresas em relação às demais. Conforme respeitável segmento da doutrina, há grupo econômico quando há relação de coordenação entre as empresas ou um continuado e recíproco tráfico de poderes, quando uma empresa interfere direta ou indiretamente na atividade de outra, seja por força de titularidade ou pelo domínio econômico.
Nesse sentido, transcrevo as seguintes ementas:
GRUPO ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS. A relação entre empresas para configuração do grupo econômico não exige direção hierárquica, como sugere uma interpretação positivista e restritiva do art. 2º, §2º, da CLT. Basta simples vínculo de coordenação entre as empresas, critério que melhor atende o principal objetivo da figura do grupo econômico na legislação trabalhista. A idéia jacente é a de que, em uma sociedade de crescente despersonalização do empregador e de pulverização dos empreendimentos empresariais, é essencial assegurar maior garantia aos créditos trabalhistas. Trata-se, ainda, da comunicação do caráter informal dos conceitos, no Direito do Trabalho, em moldes que ofereçam aos empregados plena garantia contra manobras fraudulentas ou outros atos prejudiciais a que se prestariam, com facilidade, as interligações grupais entre administrações de empresas associadas, se prevalecesse o aspecto meramente jurídico-formal. Quando se depare com esse fenômeno, é dever do juiz aplicar o dispositivo legal para estender a responsabilidade a todas as empresas do grupo. Recurso da ré não provido no particular. (Processo 03899-2008-513-09-00-6 (RO 19829/2009), publicação em 26-11-2010, Relatora Exma. Des. Marlene T. Fuverki Suguimatsu);
INCLUSÃO DE EMPRESAS NA LIDE - GRUPO ECONÔMICO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA -Interpretação mais ampla e aberta do § 2º do art. 2º da CLT é a que parece melhor refletir o principal objetivo da criação jurídica do grupo econômico, no sentido de que, para sua configuração, basta que se constate simples vínculo de coordenação entre as empresas. Numa sociedade de crescente despersonalização do empregador e de pulverização dos empreendimentos empresariais, torna-se essencial assegurar maior garantia aos créditos trabalhistas. Por outro lado, ainda que não se exija com rigor que uma empresa exerça sobre a outra alguma forma de controle, comando, ou domínio, é necessário que se constate relação de coordenação entre elas, ou que haja proximidade entre sócios, ou que a mesma direção tire proveito das atividades desenvolvidas por essas empresas de forma coordenada. (...) (Processo 03432-1996-005-09-00-6 (AP 3275/2010), publicação em 29-03-2011, Relatora Exma. Des. Marlene T. Fuverki Suguimatsu).
No caso em tela, reputo que havia, no mínimo, uma relação de coordenação entre as empresas reclamadas, impondo-se, desta feita, a manutenção da r. decisão de origem.
Nego provimento, portanto.
Matéria objeto de análise conjunta, sem provimento ao recurso da ré.
ACORDAM os Juízes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER DOS RECURSOS ORDINÁRIOS DAS PARTES. No mérito, por igual votação, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR para ampliar o valor da indenização por danos morais para R$ 100.000,00 (cem mil reais), mantidos os critérios de atualização monetária fixados na sentença. Sem divergência de votos, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ. Tudo nos termos da fundamentação.
Custas, devidas pela ré, acrescidas de R$ 1.600,00 (mil e sesicentos reais), calculadas sobre o acréscimo de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) à condenação.
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sábado, 10 de junho de 2017
Vitória da família de trabalhador morto da INFIBRA do Paraná por asbestose em 2 processos de indenização (espólio e ricochete)
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