PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
Justiça do Trabalho - 2ª Região
Número Único: 02500003520085020074 (02500200807402007)
Comarca: São Paulo Vara: 74ª
Data de Inclusão: 10/08/2012 Hora de Inclusão: 18:32:30
Aos treze dias do mês de agosto de 2012, às 17h00min horas, na sala de audiência desta Vara, sob a presidência do Meritíssimo Juiz do Trabalho Substituto André Eduardo Dorster Araujo, foram apregoadas as partes: ESPÓLIO DE ALDO VICENTIN, reclamante, e ETERNIT S.A., reclamada. Ausentes as partes.
Prejudicada a renovação da proposta de conciliação.
Submetido o processo à apreciação, foi proferida a seguinte
S E N T E N Ç A
Vistos, etc., os autos da presente reclamação trabalhista movida por ESPÓLIO DE ALDO VICENTIN, em face de ETERNIT S.A., através da qual postulou o reclamante os títulos elencados às fls. 42, dando à causa o valor de R$ 30.000,00. Juntou documentos.
Em audiência compareceram as partes (fls. 141), sendo deferida a juntada de defesa escrita (fls. 143/225).
Dispensado depoimento pessoal do reclamante. Dispensado depoimento pessoal da reclamada.
Ouvidas testemunhas.
Sem mais provas, foi encerrada a instrução processual.
As propostas conciliatórias restaram prejudicadas.
Razões finais remissivas.
É o relatório.
D E C I D O:
Comissão de conciliação prévia. Rejeito a preliminar. A exegese do art. 625-D da CLT deve ser no sentido de que o legislador apenas colocou à disposição das partes um modo de conciliação extrajudicial, sem qualquer penalidade para as partes envolvidas.
Não há se falar em pressuposto processual ou condição da ação, visto que a Constituição Federal de 1988
assegura o amplo acesso ao Poder Judiciário, sendo certo que o Constituinte, quando quis afastar ou limitar tal acesso, o fez expressamente.
Nesse sentido, aliás, a Súmula nº 2 do E. TRT da 2ª Região, no sentido de que a faculdade assegurada ao obreiro objetiva à obtenção de um título extrajudicial, não afetando o direito de ação constitucionalmente garantido (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal/88).
Por derradeiro, imprescindível ressaltar que a matéria restou absolutamentesuperada diante de recente decisão do E. Supremo Tribunal Federal, datada de 13.09.2008 (DOU 23.05.2009), que em sede de medida cautelar na Ação Direta de Constitucionalidade nº 2139/2000, deu interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 625-D da CLT em comento, afastando a obrigatoriedade de submissão da lide à Comissão de Conciliação Prévia.
Ilegitimidade ativa. O Espólio postula direitos próprios, em nome próprio, sendo a inventariante representante legal deste.
Note-se que não há pedido por dano moral em ricochete, tampouco postulação em nome próprio dossucessores, mas sim, danos materiais e morais do próprio de cujus, através do Espólio e sua representante.
Vale registrar que com a morte todos os direitos patrimoniais passam a integrar o Espólio, sendo certo que a pretendida indenização por danos morais tambémse transmite aos sucessores com o óbito.
Nesse sentido a posição dominante do C. TST:
LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO - DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1. Consoante a norma inserta no art. 943 do Código Civil, o direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança. 2.
Logo, o espólio tem legitimidade ativa para propor ação de indenização por danos morais e materiais, porquanto trata-se de reparação cuja natureza é patrimonial e decorrente do contrato de trabalho. Isso porque o que se transmite é o direito de ação e não o direito material em si, este de natureza personalíssima do empregado falecido. 3. Assim, a decisão regional que considerou o Espólio Autor parte ilegítima para propor a presente demanda violou o dispositivo legal em comento. Recurso de revista provido. (RR - 151000-43.2009.5.08.0015, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 29/02/2012, 7ª Turma, Data de Publicação:02/03/2012)
Rejeito a preliminar.
Prescrição total. À luz da teoria da actio nata o prazo prescricional começa a fluir da ciência inequívoca dos fatos que autorizam a pretendida reparação civil.
No caso, de cujus teve ciência inequívoca da moléstia e sua gravidade - que culminou em sua morte - somente em 30/04/2008 (fls. 81), logo, somente a partir de tal data iniciou-se a contagem prescricional.
Irrelevante a data da rescisão contratual, porquanto à reparação civil toma-se em conta a data da ciência inequívoca da lesão, posicionando-se nesse sentido a jurisprudência majoritária, inclusive do STJ: Súmula 278.
Destarte, considerada a data da distribuição da ação (26/11/2008), sob qualquer ângulo (prescrição civil ou trabalhista) não há se falar em extinção do feito.
Rejeito a prejudicial.
Danos materiais e morais. À responsabilização civil exige-se a conjugação dos seguintes requisitos: ato ilícito (ação ou omissão culposa lato sensu), dano e nexo causal quer sob o enfoque do CCB de 1916 como no de 2002.
O dano moral é inegável, já que o de cujus foi acometido de grave doença que desaguou em sua morte.
Relembro que aos danos morais não se exige prova de efetivo sofrimento, bastando que os fatos revele situação que gerariam sofrimento em qualquer homem médio, o que é evidente na hipótese.
O dano material, igualmente é inegável, diante das despesas comprovadas nos autos.
O nexo causal também é irrefutável, frente ao laudo pericial que atesta de forma veemente a relação de causa e efeito entre trabalho e moléstia, in verbis:... Recente documento do Collegium Ramazzini conclui claramente que todas as formas de asbesto causam asbestose, uma doença fibrótica progressiva dos pulmões. Todas podem causar câncer do pulmão e mesotelioma maligno (caso do de cujus)...O câncer de pulmão e o mesotelioma aparecem após um longo período de latência, normalmente 30 a 40 anos da exposição inicial... (fls. 350/351).
Mais, o perito deixou claro que no caso do mesotelioma não há relação estanque entre a dose de exposição e a moléstia:... Há uma relação dose-resposta com o câncer de pulmão, portanto normalmente encontra-se uma história de exposição. Isso não ocorre com o mesotelioma, em que é mais importante o tipo de exposição do que o tempo de exposição... (fls. 351).
E arremata:... O óbito do de cujus ocorreu devido a um quadro de septicemia pós cirúrgica de mesotelioma pleural por exposição ao amianto doença de caráter ocupacional. Portanto o de cujus foi portador de grave doença respiratória desencadeada por exposição a amianto quando de seu pacto laboral para a ré. Existe nexo de causalidade entre as doenças alegadas e as condições de trabalho do autor... (fls. 356).
Resta, portanto, aferir a existência de ação/omissão culposa da ré.
E, no caso, a resposta é positiva.
Isto porque, ainda que à época do contrato de trabalho do autor não existisse regulamentação cogente sobre o fornecimento de EPI, certo é que o risco ocupacional já era conhecido, tanto que existiam Decretos e Portaria do MTPS (atual MTE) tratando das partículas em suspensão, tendo o laudo pericial, ainda, apontado claramente que “A primeira referência sobre asbestose no Brasil data de 1956” (fls. 353).
Assim, sendo a atividade preponderante da ré voltada à exploração de amianto deveria ter se valido de máxima diligência a fim de ilidir os riscos ocupacionais, o que não se deu, já que as testemunhas deixaram claro que não havia o fornecimento de EPI e que havia muita poeira no local.
Nem se diga que a ausência de previsão legal acerca do fornecimento de EPI ilidiria a culpa da ré, já que, como visto, à época já se tinha conhecimento - talvez não com toda a profundidade de hoje - dos riscos da atividade desempenhada, tanto que a própria testemunha defensiva admitiu indiretamente que em outros setores, que não o do reclamante, já se fornecia EPI: para o setor do reclamante não eram fornecidos EPI.
Note que a empregadora, assumindo os riscos do empreendimento e auferindo os lucros respectivos deve zelar pela higidez de seus empregados e pelas condições seguras do ambiente do trabalho, o que incorreu na hipótese. Tais deveres já se encontravam assegurados no art. 158, IX, da Constituição Federal de 1967.
Destarte, a responsabilização da ré se impõe.
Porém, devem ser sopesados na fixação do dano moral o grau de culpa da ré no evento danoso, notadamenteporque à época não se tinha regramento específico para fornecimento de EPI, tampouco pleno conhecimento dos riscos ocupacionais pertinentes.
Assim, condeno a ré em indenização por danos morais no importe de R$ 300.000,00, considerando-se no arbitramento: (i) o aspecto lenitivo da indenização para a vítima, (ii) o aspecto pedagógico para o empregador, (iii) o grau de culpa da ré, e (iv) o não enriquecimento sem causa do autor.
Condeno, a ré, ainda em indenização por danos materiais com despesas de funeral e médicas devidamente comprovadas nos autos, consoante se apurar em liquidação com base nos documentos juntados e limitada ao valor do pedido.
Rejeito o pedido por lucros cessantes, eis que não apontado, muito menos demonstrado, prejuízo efetivo.
Honorários periciais pela ré no importe ora arbitrado de R$ 2.500.00.
Honorários Advocatícios. Indenização: Indevidos, pois o reclamante não preencheu os requisitos exigidos pela Lei 5584/70, os quais ainda vigoram por força dos preceitos consolidados, mormente o art. 791, que traz a figura do jus postulandi, não revogada pelo art. 133 da CF/88, nem mesmo pela Lei n.º 8.906/94, que apenas regulamentou a profissão de advogado, não impedindo que a parte aja em causa própria.
Nesse sentido a posição assente do C. TST, através da Súmula de n.º 329.
Igualmente, indevida a indenização perseguida com fulcro na responsabilidade civil, visto que a contratação de causídico é facultativa nesta especializada, diante do jus postulandi já referido.
Assim, em que pese salutar a participação de profissional habilitado, não há espaço para responsabilização civil do reclamado onde a perda patrimonial decorrente da contratação de causídico decorreu de ato volitivo do próprio demandante.
Justiça Gratuita. Com fulcro nos arts. 790, § 3º, e 790-B, da CLT, defiro à autoria os benefícios da justiça gratuita, isentando-a do pagamento das custas processuais e demais despesas processuais.
Compensação/ Dedução. A reclamada não demonstrou ser credora da reclamante de quaisquer verbas de natureza trabalhista.
Por outro lado, fica autorizada a dedução dos consectários pagos a mesmo título, nos mesmos períodos, devendo ser abatidos do crédito da reclamante.
Correção Monetária. A correção monetária é devida a partir do vencimento da obrigação, nos termos do art. 459, parágrafo único da CLT, c/c com o parágrafo 1o. da Lei 8177/91.
Neste sentido, a Súmula nº 381 do TST.
No que pertine aos danos morais, a correção monetária se dá a partir da prolação da presente.
Recolhimentos Fiscais e previdenciários. As parcelas deferidas possuem caráter indenizatório, logo, não há se falar em recolhimentos previdenciários e fiscais.
Ofícios. Oficie-se à DRT, MPT, INSS e Procuradoria da Fazenda ante as irregularidades apuradas.
Demais argumentos. Os demais argumentos expendidos pelas partes ficam rechaçados, valendo relembrar queo Juízo não é obrigado a tecer considerações sobre todas as teses e ponderações lançadas, bastando manifestar seu livre convencimento fundamentado.
Relembro às partes, ainda, que não há se falar em pré-questionamento em 1ª Instância.
Por fim, alerto às partes quanto às disposições do art. 538, parágrafo único do CPC.
DISPOSITIVO
POSTO ISTO, julgo a presente reclamação PROCEDENTE EM PARTE, para condenar a reclamada ETERNIT S.A., a pagar para o reclamante, ESPÓLIO DE ALDO VICENTIN, nos termos da fundamentação, os seguintes títulos:
- indenização por danos morais no importe de R$ 300.000,00;
- indenização por danos materiais com despesas de funeral e médicas devidamente comprovadas nos autos, consoante se apurar em liquidação com base nos documentos juntados e limitada ao valor do pedido.
Oficie-se à DRT, MPT, INSS e Procuradoria da Fazenda ante as irregularidades apuradas.
Honorários periciais pela ré no importe ora arbitrado de R$ 2.500.00.
As verbas ilíquidas serão apuradas em regular liquidação de sentença, conforme parâmetros descritos na fundamentação.
Natureza das verbas deferidas, conforme fundamentação.
Recolhimentos fiscais e previdenciários, na forma estabelecida na fundamentação.
Juros de mora na forma da lei, pro rata die, a partir da data do ajuizamento da ação, sobre o capital monetariamente corrigido (art. 39, parágrafo 1º, da Lei 8177/91) no que tange aos danos materiais. No que pertine aos danos materiais, a correção monetária observará a data da prolação da presente, já que até então não havia liquidez para se falar em mora da ré.
Correção monetária na forma da fundamentação supra.
Defiro para o demandante os benefícios da justiça gratuita.
Custas processuais pela reclamada, calculadas sobre o valor de R$ 100.000,00, ora arbitrado à condenação, no importe de R$ 2.000,00.
Cientes as partes nos termos da Súmula 197 do C. TST.
Intime-se a União.
Nada mais.
André Eduardo Dorster Araujo
Juiz do Trabalho Substituto
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